II




Deus é uma distração de si próprio,
daí toda sua força


            * * *


um menino sonhou com si próprio
e quando acordou não existia.
voltou a dormir e era o próprio sono
como um fruto imponderável

no sonho ele tinha um pai
de cuja mão pendia um móbile
que por si só movendo-se
movia a mão pendente,
e o corpo ôco porque da substância do sono
feito como perfeito fruto
imponderável germinava
seu próprio interior e acordava e era
maciço e inconsciente

.

marionete de sua própria criação
alheio de sua própria vez e voz
esquecido ao fundo de um galpão
aguarda por mão ávida que lhe dê a vida


* * *


a noite é uma xícara de café
ou a pupila de Deus que nos espreita


* * *


Deus existe porque a gente existe,
uma potencialidade direta de cada
consciência ele é
múltiplo
e assim sendo ele não
sabe quem é,
em qual deles está ele,
e se estiver num só?
e se esse um só fosse
uma potencialidade direta
de alguém que morre
hoje?


* * *


sei de teu intento, meu Senhor,
quando não me respondes ao que te invoco:
não podes dar pistas de tua existência
(todo esse silêncio é suspeito, meu Senhor)
porque tu dormes na dúvida...
mas acredito que acordas
no silêncio em que medito,
dizes a ti próprio no silêncio em que me digo,
dizes a ti próprio no grito que não grito.
te invoco, então, no silêncio:
já sei de que matéria és feito



* * *


não tema, Deus menino,
teu sonho acolhemos na escrita.
é legítimo que teu corpo não sinta:
de ti próprio tua criação foge
(como fugidio em tudo por que te revelas)

nós te damos voz, Deus menino:

teu sonho a água surda de ti
agita