Deus é uma
distração de si próprio,
daí toda
sua força
* * *
um menino sonhou com si próprio
e quando acordou não existia.
voltou a dormir e era o próprio sono
como um fruto imponderável
no sonho ele tinha um pai
de cuja mão pendia um móbile
que por si só movendo-se
movia a mão pendente,
e o corpo ôco porque da substância do sono
feito como perfeito fruto
imponderável germinava
seu próprio interior e acordava e era
maciço e inconsciente
.
.
marionete de sua própria criação
alheio de sua própria vez e voz
esquecido ao fundo de um galpão
aguarda por mão ávida que lhe dê a vida
*
* *
a noite é uma xícara de café
ou a pupila de Deus que nos espreita
*
* *
Deus
existe porque a gente existe,
uma
potencialidade direta de cada
consciência
ele é
múltiplo
e assim
sendo ele não
sabe quem
é,
em qual
deles está ele,
e se
estiver num só?
e se esse
um só fosse
uma
potencialidade direta
de alguém
que morre
hoje?
*
* *
sei de teu
intento, meu Senhor,
quando não
me respondes ao que te invoco:
não podes
dar pistas de tua existência
(todo esse
silêncio é suspeito, meu Senhor)
porque tu
dormes na dúvida...
mas
acredito que acordas
no
silêncio em que medito,
dizes a ti
próprio no silêncio em que me digo,
dizes a ti
próprio no grito que não grito.
te invoco,
então, no silêncio:
já sei de
que matéria és feito
*
* *
não tema,
Deus menino,
teu sonho
acolhemos na escrita.
é legítimo
que teu corpo não sinta:
de ti
próprio tua criação foge
(como fugidio
em tudo por que te revelas)
nós te
damos voz, Deus menino:
teu sonho
a água surda de ti