I




um queniano gira o mundo com seus pés.
a máquina humana move
e dispõe os astros e diz trajetórias
e cada palavra é uma estrela nova
e o homem colore os espaços
não porque vazios mas porque vazantes,
e porque olhar o horizonte já é transpô-lo
e porque olhar o céu já é o paraíso
ou o universo e todas as viagens


* * *

Deus nos pormenores em tudo
ao homem copia:
                        nuvens em arado
            nuvens em algodão
mas a colheita é do homem
que aprende do Mestre que o copia
a própria semeadura


* * *

o homem criou Deus à sua imagem e semelhança
e lhe deu fé e lhe deu fúria
e uma face diluída em tudo

assim à sua imagem e semelhança
Deus vai matar ao homem
e se perder em meio ao próprio Mistério
do homem e de sua criação


* * *

incapaz de destruir a vitrine dos heróis humanos,
como Cristo ele prega
como Gandhi ele agrega
como Conselheiro ele congrega
e derruba montanhas com um só golpe
tal como Muhammad Ali
                  e dança
            e ginga                     
                        e esquiva
e gira também um mundo com seus pés


* * *

triste do homem que vaga
e não encontra dor
e desafia o Diabo a uma partida de xadrez


* * *

um homem sonhou que Deus existia
e que todos se respeitavam e respeitavam ao próximo
e esse homem acordou e não existia:
Deus sonhava com si próprio


* * *

Deus agora está só no Universo.
ele olha para os lados e não há
lados nem ninguém,
nem Ele mesmo há:
não pode dizer a própria existência
porque é Único


* * *

da cor do ôco de um olho maciço
é Deus
como os olhos minerais de formigas
é Deus
a folha ao vento a vela ao vento
da cor do vento tingindo a folha a vela

das mãos de um artesão analfabeto
um vaso cheio de ôco,
de espaço maciço de vazio,
cheio de seu próprio eco,
calado em si próprio e aberto

como Deus ele é o que se expande para dentro
como quem se recolhe para si
e lega à luz dois vitrais pelos quais
vaza a luz para seu interior escuro,
e seu interior é claro